28 fevereiro 2008

Sobre fotografia

Um trecho do capítulo "O HEROÍSMO DA VISÃO", do livro Sobre Fotografia, de Susan Sontag:

"Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Mas muitos, por meio de fotos, descobriram a beleza. Salvo nessas ocasiões em que a câmera é usada para documentar, ou para observar ritos sociais, o que move as pessoas a tirar fotos é descobrir algo belo. (O nome com que Fox Talbot patenteou a fotografia em 1841 foi calótipo: do grego kalos, belo.) Ninguém exclama: “Como isso é feio! Tenho de fotografá-lo”. Mesmo se alguém o dissesse, significaria o seguinte: “Acho essa coisa feia... bela!”.

É comum, para aqueles que puseram os olhos em algo belo, lamentar-se de não ter podido fotografá-lo. O papel da câmera no embelezamento do mundo foi tão bem-sucedido que as fotos, mais do que o mundo, tornaram-se o padrão do belo. Anfitriões orgulhosos de sua casa podem perfeitamente mostrar fotos do lugar onde moram para deixar claro aos visitantes como se trata de uma casa, de fato, maravilhosa. Aprendemos a nos ver fotograficamente: ver a si mesmo como uma pessoa atraente é, a rigor, julgar que se ficaria bem numa fotografia. As fotos criam o belo e – ao longo de gerações de fotógrafos – o esgotam. Certas glórias da natureza, por exemplo, foram simplesmente entregues à infatigável atenção de amadores aficionados da câmera. Pessoas saturadas de imagens tendem a achar piegas os pores-do-sol; agora, infelizmente, eles se parecem demais com fotos.

Muitos se sentem nervosos quando vão ser fotografados: não porque receiem, como os primitivos, ser violados, mas porque temem a desaprovação da câmera. As pessoas querem a imagem idealizada: uma foto que as mostre com a melhor aparência possível. Sentem-se repreendidas quando a câmera não devolve uma imagem mais atraente do que elas são na realidade. Mas poucos têm a sorte de ser “fotogênicos” – ou seja, aparecer melhor nas fotos (mesmo quando não são maquiados ou beneficiados pela luz) do que na vida real. A circunstância de as fotos serem muitas vezes elogiadas por sua espontaneidade, por sua honestidade, indica que a maioria das fotos, é claro, não é espontânea. Em meados da década de 1840, o processo negativo-positivo de Fox Talbot começou a substituir o daguerreótipo (o primeiro processo fotográfico viável). Uma década depois, um fotógrafo alemão inventou a primeira técnica de retocar o negativo. Suas duas versões de um mesmo retrato – uma retocada, outra não – espantaram a multidão na Exposition Universelle de Paris, em 1885 (a segunda feira mundial e a primeira com uma exposição de fotos). A notícia de que a câmera podia mentir tornou muito mais popular o ato de se deixar fotografar.

As conseqüências de mentir têm de ser mais cruciais para a fotografia do que jamais seriam para a pintura porque as imagens planas, em geral retangulares, que constituem as fotos reclamam para si uma condição de verdade que as pinturas nunca poderiam pretender. Uma pintura falsificada (cuja autoria é falsa) falsifica a história da arte. Uma fotografia falsificada (retocada ou adulterada, ou cuja legenda é falsa) falsifica a realidade. A história da fotografia poderia ser recapitulada como a luta entre dois imperativos distintos: embelezamento, que provém das belas-artes, e contar a verdade, que se mede não apenas por uma idéia de verdade isenta de valor, herança das ciências, mas por um ideal moralizado de contar a verdade, adaptado de modelos literários do século XIX e da (então) nova profissão do jornalismo independente.

(...)"

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O livro saiu pela Companhia das Letras e se encontra facilmente nas livrarias.
Muda minha vida e me acrescenta muito a cada releitura. Recomendo.