27 maio 2009

Em defesa do "21st Century Breakdown"

O disco nem havia sido oficialmente lançado e mais uma vez (e como sempre) dividia a opinião dos fãs. No site dedicado à banda no last.fm, os comentários iam aparecendo conforme o pessoal fazia o download e dava a primeira ouvida no CD. A grande maioria elogiava a nova empreitada do Green Day, 4 anos após o sucesso improvável de American Idiot, até então a maior ousadia cometida pelo trio. No twitter, meus amigos já vinham classificando o disco como "chato", "nada demais" e coisas piores, desde que saiu o primeiro clipe do single "Know Your Enemy". Na verdade, devo confessar: essa música solta, fora do contexto geral da obra, parecia mesmo um B-Side do American Idiot, numa primeira ouvida.

Mas então eu ouvi o disco completo. Uma, duas, dez... até o momento, segundo o meu last.fm, foram mais de 50 vezes. Sem contar as vezes que ouvi no carro, que não são computadas ali (meu adaptador de iPod pro carro estragou). Li todas as matérias que pude encontrar sobre o CD em revistas gringas, li as entrevistas, prestei atenção extra às letras na internet. Por falar nisso, se você digitar o nomedaletra.com, vc cai na página de cada uma delas. Às vezes é preciso colocar hífen pra funcionar.

Teste aí esses dois exemplos:
http://www.vivalagloria.com/
http://www.last-night-on-earth.com/

Acontece que o disco é simplesmente fantástico. Um nível acima do que eles haviam conseguido com o American Idiot. Tudo nesse disco é "mais" do que o anterior, no bom sentido. A crítica é mais profunda em letras ainda melhores, as músicas são melhor trabalhadas na sua estrutura, os timbres dos instrumentos são perfeitamente equalizados. Até a arte é mais legal que a do anterior.

Musicalmente falando, as músicas se conectam perfeitamente. Não há um único acorde solto no espaço, sem função. A maestria com que BJ encaixa suas letras em melodias grudentas e por vezes simples - mas nunca simplórias - surpreende mais uma vez. Há acusações de plágio, inclusive de músicas de outro projeto deles, o The Network. E a verdade é que o riff de "Christian's Inferno" é praticamente uma nova versão de "Spike". Mas ambas são criações da mesma pessoa, e se Billie Joe acha que um riff de uma música antiga sua lançada obscuramente num projeto paralelo que meia dúzia de pessoas ouvir servia numa nova canção e poderia ser reaproveitada, por que não?

Um amigo disse que o disco é chato e desconcentra durante a audição. Realmente, esse não é um CD pra ser ouvido sem atenção. Hoje em dia, com a facilidade de se ter álbuns e músicas, as pessoas (eu inclusive, não me excluo) se tornaram mais preguiçosas pra dar a atenção devida aos discos que merecem. 21st Century Breakdown é uma obra longa. Não é um disco de punk rock de 30 minutos. Mais uma vez Billie Joe Armstrong escreveu uma ópera rock com personagens bem definidos, onde uma música é sequencia da anterior numa crítica pessimista aos Estados Unidos na era pós-Bush. Armstrong (e nenhuma outra pessoa no mundo, talvez) não sabe pra que lado o mundo vai na era Obama, mas pinta um cenário pós-guerra nas letras do novo disco. E nada está ali por acaso.

O Green Day descobriu o The Who? Mas faz tempo! Uma edição da How to Play Guitar americana de 1995 já comparava Billie Joe a Pete Townshend. Isso não é novidade pra ninguém, e faz pelo menos 15 anos que eles são acusados de não serem "punk rock enough". O Green Day decidiu crescer e conseguiu. Da banda de guris falando sobre maconha e garotas no Gilman Street pra 15 pessoas para a banda AMERICANA que colocou SOZINHA mais de 65 MIL pessoas no Milton Keynes National Bow em DOIS DIAS, na INGLATERRA. Muito digno da parte deles terem feito isso com algo a dizer e não com canções e discos fáceis, sobre qualquer coisa. Não foi durante a Warped Tour ou qualquer grande festival com dezenas de bandas dividindo a atenção. Como provavelmente fazem o Rancid e o NOFX, bandas que também lançaram discos novos esse ano e, junto com o Green Day, parecem participar de uma competição que só existe na cabeça dos fãs sobre "quem lançou o disco do ano".

Provavelmente não foi o Green Day. E ele jamais teve essa obrigação que, repito, só existe na cabeça dos fãs. Mas tampouco foram Rancid ou NOFX, que fizeram de novo o mesmo disco que vem fazendo durante toda a carreira. Bons discos, mas que não tem muito mais a acrescentar ao que eles já haviam feito antes. Aí reside talvez o maior trunfo de 21st Century Breakdown. Ele mantem o Green Day relevante no cenário. Eu conheço poucas bandas com praticamente 20 anos de carreira e 8 discos de inéditas que tenham uma discografia irrepreensível. Mas conheço menos bandas ainda que foram capazes de se reinventar após discos medianos (fracos, pra dizer a verdade, no caso de Warning) sem cair no lugar comum ou na saída fácil de "voltar às raízes", como se precisassem se desculpar com alguém por terem experimentado coisas novas.

Músicas como "Basket Case" o Green Day já provou que sabe fazer. Eles já fizeram isso uma, duas, três vezes. Não precisam mais fazer. Eles podem se dar ao luxo de criar baladas românticas açucaradas ao extremo como "Last Night On Earth". Todas as grandes bandas de rock tem suas baladas bregas. Até o Iron Maiden tem, por Deus do céu! Os integrantes do Green Day cresceram e têm a plena noção do seu papel e importância. O discurso político só parece forçado para aqueles que esqueceram o papel contestador que o punk "deve" ter. o Green Day não é o U2 - apesar de terem tocado juntos num passado recente. Bono é um chato, mas Bono nunca foi punk. Provavelmente não tenha crescido num lar desestruturado e com tão poucas perspectivas de futuro, com pouco mais a fazer do que fugir da escola, tocar punk rock e fumar maconha. O Green Day de hoje, milionário, pop e qualquer outra coisa "anti-punk" de que possa vir a ser acusado, faz mais pela revitalização e pelo gênero do que qualquer banda com integrantes que "tenham um A tatuado". Comparando exageradamente, é tão fácil pra eles falar de cenários tão desfavoráveis, tendo ganhado milhões de dólares durante os últimos anos, do que deve ser fácil para fotógrafos de guerra voltarem à redação dos jornais com imagens dos conflitos que vivenciaram. O Green Day fala com propriedade. Se não vivem as dificuldades sociais causadas pela administração Bush nos EUA, viveram as causadas por Nixon. A angústia e revolta ainda está lá, faz parte deles. A revolta gerou o discurso. A angústia gera arte. E como poucas bandas de sua geração, o Green Day alia perfeitamente discurso e arte. E o mais legal de tudo: ainda faz um dos shows mais divertidos que se pode assistir no maintream mundial hoje em dia.