22 abril 2010

"Estive fora por alguns dias...

... e não é fácil estar aqui de pé."
(Deluxe Trio - Zelig)

Começou de brincadeira. Há alguns meses li um post do Bil no Facebook dizendo que o Zander estava agendando uma turnê pelo Sul. Deixei um comentário do tipo "vou entrar nessa van em Curitiba e só desço quando acabar!", mas não estava levando a sério essa hipótese. O tempo foi passando, a tour se aproximava e eu continuava com meus afazeres por aqui. Segui fotografando eventos na cidade, viajando com outras bandas nos finais de semana, me preparando pra semana de provas na faculdade, até que o Luan Lodi, da Lodi Produções (responsável pela agenda do Zander no Sul) me convidou para acompanhar a segunda etapa da turnê, que englobaria os shows de Santa Catarina, o de Curitiba e o de Paranaguá. Aceitei prontamente o convite e pra mim isso já seria uma honra e um prazer imensos.

Pra quem não está familiarizado com o underground, explico: o Zander é a nova banda do Bil (Gabriel Zander), um dos grandes ícones desse meio. Ele foi o fundador, principal letrista e frontman (mesmo quando era também baterista) do Noção de Nada, banda de grande importância pro hardcore nacional. O cara sempre foi um exemplo pra mim quando comecei a me envolver com esse som e de forma muito bacana acabamos trabalhando juntos quando ele aceitou o convite para produzir o segundo disco do Self Defense, em 2007. De lá pra cá meu respeito e admiração pelo trabalho do cara só cresceram e pude conhecer melhor também os outros caras da banda, por isso estava tão empolgado em participar dessa turnê. Ainda que fosse pela metade.

Minha surpresa veio num dia em que eu estava no QG da Lodi Produções discutindo um outro projeto, que envolvia o A-OK e outros shows. Surgiu a oportunidade de acompanhar a turnê completa, só precisávamos resolver alguns lances como passagem de avião e hospedagem pra mim nos hotéis em que a banda ficaria. Uma pessoa a mais não é um gasto assim tão grande para os contratantes dos shows. No caso das passagens de avião isso era um problema sério, pois os preços baixos costumam rolar só pra compras com antecedência, que era o caso do restante da banda.

"... e a gente vai queimar os pés no asfalto."
(Zander - Outro Dia Mais)

A turnê começou numa das cidades mais distantes da agenda, Foz do Iguaçú. De um dia pro outro as passagens de avião dobraram de preço e ficou resolvido que eu e o Luan viajaríamos de ônibus. Metade do preço, 10x o tempo de viagem. Partimos um dia antes do previsto, nas duas primeiras poltronas. Tem o janelão como vista e apoio para os pés (nós dois temos mais de 1,80m) e seríamos os primeiros a morrer, de forma rápida e indolor, no caso de uma colisão frontal. Foram 10 horas até Foz e menos de 10 minutos de sono. Não sei se foi minha coluna ou a ansiedade pelo que estava por vir, mas não consegui dormir a viagem inteira. Chegamos em Foz de manhã cedo e logo o Rafael Fraida (Assoalhos) apareceu pra nos buscar, acompanhado da fera Fernandão, um amigo dele de São Paulo. Passamos numa padaria pra tomar o café da manhã e seguimos pra casa do Rafa. Ainda era muito cedo e aproveitamos pra tomar um banho rápido e irmos pro Paraguai.

A casa do Rafa em Foz fica a duas quadras da fronteira, você consegue ver os prédios do outro lado da ponte. Fomos a pé. Foi minha primeira vez em Ciudad del Este e eu espero com todas as minhas forças que tenha sido a última (na verdade já houve uma segunda vez, no dia seguinte. Essa sim, a última). O lugar é caótico, pra dizer o mínimo. Perdi a conta de quantas vezes me foram oferecidos pen drives, meias, pó, lança-perfume, marijuana e tudo mais "que procuras, amigo". Os preços baixos empolgam, mas pra mim não compensam todo o stress. Minha coluna deu o tom do que seria o restante da viagem já ao atravessarmos a ponte, com o ciático pegando forte e me obrigando a fazer paradas estratégicas de 5 minutos pra poder continuar andando. Isso deve ter atrasado todos os programas que fizemos a pé e irritado um pouco o resto da galera. Foi mal. Não estávamos com o pessoal do Zander, que chegaria de avião à tarde vindos do Rio de Janeiro, onde eles moram.

Voltamos do Paraguai ainda antes do almoço e pra mim o dia já tinha durado umas 30 horas. Lembrando que eu estava com 10 horas de viagem nas costas, sem dormir. Depois do incrível almoço na casa dos Fraida não tive outra opção a não ser desmaiar. Meu desmaio durou cerca de 3hs. Quando acordei a banda já estava instalada no hotel. Matamos tempo na internet até chegar a hora de conhecer a night life de Foz do Iguaçú. Era o Dia Zero. O dia antes do primeiro dia. Show, só na noite seguinte. O pessoal queria bagunça. E tiveram.

"Não vá sem beber o último copo, pois talvez nunca mais virá aqui."
(Deluxe Trio - Mixtape)

Nossa primeira parada foi no Bar do Véio, na saída de uma Universidade que não lembro o nome. Um boteco de esquina com mesas na calçada e cerveja gelada a preço honesto. Embalados pelas histórias do Fernandão, começamos a beber e conhecer pessoalmente algumas figuras locais, como a Boca de Carpa (o peixe foi mudando pra lambari, tilápia e outros conforme a história foi sendo contada mais vezes). O primeiro cara da banda com quem encontrei foi o Marcelão, novo baixista que entrou no lugar do Guta, vindo diretamente de Salvador, Bahia. Ainda que ele desconte toda sua ferocidade no bigode que cultiva com orgulho e nas tijoladas que manda no palco, o "Senhor" é puramente um baiano típico. Tranquilíssimo, alto astral, sempre bem humorado. Figura única. Cansado da viagem e com resquícios de uma gripe mal curada, o outro Gabriel da banda, o Arbex (aka Sanfoneiro) decidiu ficar no hotel. Empolgado com a proximidade entre os países hermanos, o Bil tinha ido sozinho, de ônibus, conhecer a Argentina, na outra fronteira. O último Zander que faltava era o baterista Leo "Meu Rei", que nos encontrou mais tarde no Bar do Véio. Num determinado horário Bil e Sanfs também se juntaram a nós e começou a saga pelo segundo round daquela noite.

"... chegar no Roda Viva tu vai ser homenageado."
(Raimundos - Puteiro em João Pessoa)

A idéia era conhecer o point do verão de Foz do Iguaçú, um bar que também não lembro o nome. Passamos na frente (superlotados em 8 no carro do Rafa) e o lugar estava às moscas. Rodamos atrás de outras opções e acabamos em frente a um luminoso onde se lia "RODA VIVA". Um de nós foi escalado para checar a qualidade do recinto e voltou empolgado, dizendo "tá animal, vamos nessa!". Cinco cruzeiros por cabeça e ali estávamos, visitando "a casa das prima". Long story short, teve nego sonhando acordado com a paraguaia Dulce por uma semana.

Na manhã seguinte voltamos ao Paraguai. Dessa vez fomos sozinhos. Eu, Luan e o Zander, sem o Rafa como guia. Atravessamos a pé mais uma vez, após 2 minutos de conversa com um policial. O Luan, assim como eu, está sem documentos. A única coisa que tínhamos em mãos era a carteira de trabalho. De acordo com o Mercosul, os únicos documentos válidos para deixar o país são passaporte ou carteira de identidade. O engraçado é que isso só é válido se você atravessa pro Paraguai a pé. De carro ou moto você pode ser um assassino procurado pelo FBI que ninguém sequer vai pedir seus documentos. Da-lhe, Brasil! Uma vez do outro lado, era hora de criar bolhas IMENSAS nos pés, de tanto andar. Almoçamos num restaurante suspeitíssimo numa viela paraguaia e voltamos pro Brasil. É muito incrível a diferença num espaço físico tão pequeno. Assim que você atravessa a ponte de volta pra casa, até o ar fica mais leve. O calor dá uma trégua e caminhar é menos penoso.

À tarde alguns de nós resolveram descansar enquanto outro foram fazer turismo e conhecer as Cataratas do Iguaçú. Mesmo com os pés destruídos, fui junto. Não me arrependi nem um segundo. O lugar é impressionante e a vibração do momento foi especial. Resolvemos que vamos fazer tatuagens pra eternizar aquela vibe, só estamos resolvendo problemas de horário. Falta tempo. Enfim, se aproximava o momento do primeiro show da Tour Sul 2010 e parecia que estávamos juntos há vários dias.

"... e assim a gente vai, até o final. Até a parede mais próxima, pra nos fodermos ou derrubá-la."
(Zander - Outro Dia Mais)

O show de Foz foi numa quinta-feira. Sem feriado nem nada, numa cidade que não é exatamente conhecida pela cena independente, um pico afastado do centro marcado pra começar enquanto os jovens ainda estariam em aula. O que esperar? Bom, talvez a coisa mais importante dessa turnê foi a falta de expectativas. Conversava isso com o Sanfs no camarim do Molotov Rock Bar enquanto o pessoal do Amnesia, banda de Cascavel que nos acompanharia pelos 3 primeiros shows, passava o som. Eu não lembro de uma outra banda que tenha feito uma turnê assim no Brasil, com shows em praticamente todos os dias da semana, inclusive segunda-feira. E tudo bem, a banda estava lá pra mandar brasa, com público de 10 ou 1.000. A cerveja estava gelada e deu pra confraternizar com a galera local, trocar uma ideia e dar risadas. Pra mim foi um começo difícil porque a iluminação do palco era bastante precária. Isso se repetiu muitas vezes durante a turnê, talvez porque essas casas de rock alternativo tenham esse estigma assumido de ser um lugar escuro e "do mal". Então com frequência as únicas luzes são vermelhas e quase que invariavelmente o teto (e o chão e as paredes e tudo que se vê) é pintado de preto. Um pesadelo para fotógrafos, mas nada que não seja contornável. Foi ótimo pra eu testar meu equipamento novo, também. Pela primeira vez fotografei com uma câmera com grip, o que a deixa bem mais pesada, apesar de melhorar muito em termos ergonômicos.

Fotos do show em Foz do Iguaçu; Motolov Rock Bar:
http://venancio.tumblr.com/post/508787869/zanderfoz

No próximo post, a viagem pra Cascavel e aventuras pelo Norte / Oeste do Paraná.

2 comentários:

Tatuíra com Xenon disse...

Ancioso para ler o resto dessa experiencia!!
forte abraço meu amigo braseirooo!

Anónimo disse...

O primeiro show sempre é inesquecível, tanto o primeiro como o último!
É de querer voltar cada minuto e se pudesse não dormiria pra aproveitar tudo ainda mais... Não é? Pena que acaba mas logo vc tá viajando pra cada canto mais uma vez.